Direito de ser filho e de ter pais

Paternidade. Maternidade. Filiação. São temas para os quais sempre dediquei estudos ao longo de minha vida. Inclusive, foram os primeiros temas no mundo jurídico, no mundo do Direito, sabia?!  Como sou uma filha adotiva, ou seja, fui adotada quando tinha dois anos, sempre quis saber mais sobre esses temas. Quais seriam meus direitos? Seriam iguais aos de filhos biológicos?

Como sempre, as primeiras normas e explicações devem ser buscadas na Constituição de 1988, a chamada “Lei Maior”. Depois, fui procurar no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil. Na Constituição, em seu artigo 227, aprendi algo que guardo para sempre e que direciona meu pensamento e minhas ações sobre os direitos da criança, do adolescente e do jovem: a ABSOLUTA PRIORIDADE! Esse artigo determina que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A criança, o adolescente e o jovem são os únicos que possuem absoluta prioridade expressa diretamente no texto da Constituição, ou seja, sempre que o direito do menor se confrontar com qualquer outro direito, o resultado deve garantir o melhor interesse do menor. Isso produz até um importante princípio: o Princípio do Melhor Interesse do Menor! Assim, pude concluir que o direito de ter pai e mãe seria absoluta prioridade para o menor e que, portanto, seria garantido. Mesmo que os pais não desejassem, o menor teria direito de filiação e reconhecimento de paternidade ou até maternidade, se necessário. Mas, queria saber mais, além do direito básico de ter o reconhecimento à paternidade, o que mais eu, como filha adotiva, poderia ter garantido?

Eu vi que, no parágrafo sexto do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (aparece assim em textos jurídicos: “§ 6º do art. 228 da CRFB/88”), os filhos adotivos possuem os mesmos direitos que os filhos biológicos. O §6º determina que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Essa regra é tão importante que aparece também no artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) dispondo que “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.  

O artigo 227 da Constituição deixou explícito que o mais importante na relação de paternidade não é somente o laço genético e sanguíneo, mas, também, a vinculação socioafetiva entre pai e filho. Isso se tornou explícito, quando o texto constitucional equiparou filhos adotivos e filhos biológicos (consanguíneos e que detém os genes do pai, ou seja, àqueles nascidos a partir da relação biológica direta com o pai). Logo, filhos adotivos realmente possuem os mesmos direitos que os filhos biológicos.

Diante desses dispositivos na Constituição e no ECA, quis saber como os Tribunais estavam julgando na prática. Será que esses dispositivos estavam sendo respeitados? Caso fosse necessário entrar na justiça, o filho adotivo teria seus direitos garantidos? Tive uma grata e feliz constatação: sim!

A comprovação de que o vínculo afetivo é fundamental para determinação de paternidade pode ser percebida numa decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), veja o trecho da decisão que achei: “O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável (artigos 1.609 e 1.610 do Código Civil), e não cede diante da inexistência de vínculo biológico, pois a revelação da origem genética, por si só, não basta para desconstituir o vínculo voluntariamente assumido. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue (artigo 1.593 do Código Civil).” Assim,  o pai não pode após estabelecer o vínculo afetivo com o menor e reconhecer a paternidade querer retirar a mesma porque descobriu, por exemplo, por exame de DNA, que não é o pai. Afinal, já existe, para o filho, o reconhecimento de paternidade. Não seria justo por uma situação de traição entre o pai e a mãe que o menor seja culpado e perca o pai, principalmente, porque o considera como pai em função dos vínculos afetivos. 

Depois de ter contato com a decisão, a curiosidade me levou ao estudo do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Nesses estudos percebi que existem diversos artigos reforçando tudo que tinha estudado. O artigo 1.593 reconhece que “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, ou seja, o parentesco civil é aquele de laços socioafetivos e é equiparado ao natural (com laços genéticos e sanguíneos). Em seu artigo 1.596, o Código Civil, fortalece a equiparação dada pela Constituição entre filhos havidos por consanguinidade ou por adoção reproduzindo da seguinte forma “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Nesses estudos, e eu ainda descobri algo surpreendente: embora o pai não possa negar paternidade socioafetiva, o filho pode rejeitar a paternidade ao completar dezoito anos, conforme possibilita o artigo 1.614 “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem À maioridade, ou à emancipação.” Ou seja, caso o pai seja ausente durante toda vida do menor, ao completar dezoito anos, pode ser requerido, pelo filho, que não seja reconhecida a paternidade porque não há vínculo afetivo com o pai (que nunca cuidou ou esteve presente).

Assim, fui aprendendo que ter sido adotada em nada diminuía meus direitos. E ainda aprendi que tinha muitos mais direitos do que apenas o reconhecimento de paternidade.  Isso não é um máximo?!

Além disso, galera, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), seguindo as diretrizes constitucionais, determina no artigo 22 que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Portanto, além do reconhecimento de paternidade, são deveres o sustento, guarda e a educação. O ECA ainda garante no artigo 19 que “Toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Logo, são garantidos também o convívio familiar (excepcionalmente em família adotiva) e livre do risco de conviver com dependentes de drogas que possam causar males para o menor.

Mas, são tantos direitos que serão necessários muitos outros momentos de conversa. Por enquanto, ficamos nos direitos ligados à paternidade. Até a próxima! Bjokas!

 

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Adriana “Drica” Destra

Minha história diz muito sobre minha personalidade. Fui adotada por uma família muito rica quando tinha dois anos. Só fiquei sabendo disso aos 10 e desde então alimentei questionamentos a respeito dos deveres e direitos das pessoas. Aos 12, eu já conhecia o ECA inteiro. Aos 15, já tinha feito um curso on-line de Introdução ao Direito. Aos 17, presenciei um mau uso do Direito por parte de um advogado que manipulou a lei em benefício próprio. Fiquei com raiva, mas não desisti. Hoje, faço Direito na melhor Universidade do país e sonho em pulverizar o conhecimento jurídico a fim de melhorar a educação no país e o relacionamento entre as pessoas. Como acredito na Educação e que, se quisermos fazer um bom trabalho devemos começar desde cedo, vou construir um trabalho aqui no Galera Cult sobre Noções de Direito. Espero que ajude a todos nós a formar uma sociedade mais fraterna e justa.